
Por ocasião do Dia Mundial da Dança e dedicada a todos aqueles que se sentem ligados a esta forma de expressão artística, tão essencial e com tamanha expressão no nosso território. Com um beijo especial a MBG, que me permitiu partilhar estas palavras que um dia, só a ela, lhe foram dedicadas.
Este que te escreve nunca dançou e pouco ou nada percebe de dança, do movimento, ou de coreografias. Desconhece as técnicas e os discursos dessa arte que é a tua, permanecendo distante dos seus meios, longe dos seus praticantes, críticos e pensadores. Este que te escreve é um verdadeiro leigo na matéria, um completo ignorante acerca desse mundo que te pertence e é só teu. Pouco ou nada sabe, para além de tudo aquilo que a intuição e o seu fascínio lhe permitem compreender. Sabe, talvez, o essencial, aquilo que é mais importante: No corpo de um bailarino revelam-se mundos secretos, lugares mais belos e extensos do que este aqui e agora a que as nossas convenções se habituaram a chamar real.
Compreende que o discurso ganha a sua forma através dos gestos que o corpo cumpre, sempre efémero, atravessando a extensão do espaço, como um poema feito de carne. Deveria poder ser eterna essa sua contemplação, pensa ele, desconhecendo, como Santo Agostinho, aquilo que o tempo realmente é, ou aquilo que a duração deve quantificar, seja lá o que isso for. Pressente, apenas, que o teu corpo em movimento, quando dança, tanto é e tudo pode significar.
Também ele dança quando escreve, diligente, um poema e procura recriar o tempo que não conhece ou o espaço que nunca percorreu. A escrita será sempre a sua coreografia inacabada. Este que te escreve, tal como tu que danças, estão condenados à lucidez do efémero; a libertação total do compromisso que firmaram com a expressão e a beleza nunca se cumprirá. O poeta escolheria de bom grado não dar nem mais um passo se soubesse que, após a sua morte, as palavras que um dia escolheu percorreriam o mundo; poderiam, quem sabe, tocar uma qualquer alma desconhecida, bem no centro do seu ser. Escolheram ambos, aquele que dança e este que te escreve, pegar o mundo de cernelha pelos cornos em pontas; sentir o embate em turbilhão.
Não há o movimento correcto ou o bom poema, há o movimento e o poema. E não serão eles a mesma coisa? Persistirá a reverberação de cada um num tempo e num espaço que é, já foi e ainda haverá de ser. O centro do teu mundo é o lugar onde assentas os pés e te permites voar. Faz do corpo poema e dançarás todo o acontecer.
Continua a fazer da vida uma coreografia e nunca pararás de dançar. Sente a dádiva que és no tempo que se esboça no espaço. Sê tudo aquilo que desejas ser. Em cada movimento teu, o corpo deste que te escreve ficará suspenso. O seu coração sentir-se-á sempre tocado pela pureza da tua expressão. Tu, doce bailarina, que trazes sobre os ombros o peso dos tantos mundos que carregas na alma, sê sempre como o poderoso vento norte sobre as falésias. Que todos os deuses que soubemos inventar te façam atravessar o espaço como uma espécie de anjo redentor, capaz de nos salvar deste mundo tão imperfeito.