
Há muito que a abreviatura de Natural Black Color adoptada por Timóteo Tiny Santos marca o panorama da música nacional. E o rapper torreense deixou para o final do ano uma novidade, com NBC a lançar o álbum “Toda a Gente Pode Ser Tudo”. “É um disco para pessoas da minha geração, com uma musicalidade mais cuidada. É muito mais ligado ao jazz e à soul” explica, em conversa com o Torres Vedras Web, sobre o disco que chega às lojas durante o mês de Novembro. Com as participações de Dino, Virgul e José Salgueiro – baterista dos Trovante e dos Resistência – NBC assegura que “este disco é a demonstração de que tens de criar um grupo coeso e ter os amigos à tua volta. A luta é sempre constante.”
“Acorda” é o single de lançamento do álbum, uma música que fala de dúvidas e indecisões contadas na primeira pessoa, mas que se afirma como um repto para as oportunidades que a vida proporciona. “Acordava com insónias a pensar nisto, até que um dia acordei e disse: vou rescindir o contrato com a empresa onde trabalho e viver daquilo que me faz realmente feliz.” Um single com uma sonoridade “um bocadinho mais jovem do que “Espelho”, “Dois” ou “Gratia”, e em que NBC surge com umas grandes asas negras. “Simbolizam aquilo que qualquer ser humano tem possibilidade de fazer, que é um dia acordar e dizer que não quer viver mais assim. Está ao alcance de toda a gente.” Percebe-se, por isso, que o título do álbum não foi escolhido ao acaso. Com “Toda a Gente Pode Ser Tudo”, o rapper quer “que as pessoas consigam entender a sua própria vida” e lembra que “não há nada neste mundo que as faça ser prisioneiras de uma só coisa.” A mensagem é clara. “Se há coisas na vossa vida que sentem podem alterar, alterem enquanto estiverem vivas.”
Falamos, por isso, de um disco que não se direcciona tanto às camadas jovens, mas sim a uma outra geração que cresceu a ouvir hip-hop. “É um erro continuar a pensar que este género não vende ou que é só para miúdos.” Um género musical que, desde 1998, é o que mais tem vendido no mundo inteiro. “As rimas e batidas são o meu primeiro amor e não há como abandonar isso” diz o artista, que ao final de 23 anos de música não esconde um horizonte repleto de desafios. “Tenho em mente fazer um disco acústico, com clássicos meus e outras novidades.” Ao acústico acrescem os de blues e de rock que diz estarem escritos. “Quero fazer mais coisas, porque a música é isso mesmo. É a minha terapia e é isso que me faz ser feliz.”
NBC, natural de Torres Vedras, integrou a “geração de ouro” do hip-hop português. Um género que não tinha antecedentes em Portugal e que entrou cedo na vida do artista. “Foi o meu veículo para expressar sentimentos em português.” Aos 42 anos afirma com convicção que é um cantautor, “porque escrevo e canto as minhas próprias músicas.” E é nelas que alia a forma artística a um papel de intervenção na sociedade. “Há sempre um intuito social associado, além de cantar sentimentos. O nosso lado é sempre mais intervencionista e é isso que faço desde que me lembro” defende, enquanto recorda as músicas de Bob Marley que cantava em criança.
As rimas e batidas de uma vida
“Continua a ser muito importante falar de questões sociais de desigualdade” defende. “A vida não é igual para todos.” E este disco, lembra, “tem imensas nuances desses contornos. Mas fala principalmente de mim, daquilo que sou e de como é que enfrento os meus medos e as situações mais complexas.” E se as características deste género definem o seu trabalho, há quem não o consiga encaixar nos estilos universalmente estipulados. “O pessoal das lojas de música nunca sabe onde há-de por o meu disco” conta entre risos. “Era muito mais fácil se existissem outras pessoas a fazer o mesmo em Portugal. Só que não existe.” Cantar e rimar num estilo único é a chancela do artista, que parafraseia Mastiksoul para dizer que “só existem duas coisas: má música e boa música.” E remata. “Considero que faço boa música. É aquilo que eu sinto. Se assim não fosse, já tinha terminado a minha carreira musical há muito tempo.”
Uma carreira marcada pelos sucessos que resultaram de “Maturidade” ou do mais recente “Epidemia”, e que se destaca como uma referência para as novas gerações do hip-hop em português. “Às vezes perco essa noção de ser o pioneiro e fazer parte do grupo de cinco ou seis pessoas que começaram isto em Portugal. Mas é interessante ver que esses miúdos continuam a preservar esse pensamento.” A referência aos Grognation, a formação de jovens que tem vindo a ganhar espaço no panorama musical, surge naturalmente. “Sei que há uma percentagem de criatividade e de sentimento naquilo que eles fazem que é baseado na minha carreira musical. É uma coisa que tenho sempre em conta e é por isso que, sempre que posso, estarei presente.”

Se faz parte da geração dos pioneiros, NBC traça com facilidade as diferenças e semelhanças entre 1992 e 2016. “Lembro-me perfeitamente de estar a fazer inscrições para a escola e de não fazer a a mínima ideia de onde é que havia de por a cruz” conta. “Aquilo que não muda é o facto de teres 15 ou 16 anos e não saberes o que queres.”
“Mandaram-me para a escola para escolher uma profissão
Eu não era um mau aluno mas só queria diversão (…)“
A história contada na primeira pessoa que atravessa o novo álbum espelha uma realidade que é transversal a todas as gerações. “Estou a contar a história daquilo que me aconteceu, que a música efectivamente salvou a minha vida. Mas tive de me descobrir.” Uma descoberta que viria a colher os seus frutos, que aos dias de hoje se reflectem nos concertos, nas participações em outros tantos, em festivais e diversos projectos musicais. “Queria poder contar às outras pessoas as minhas histórias através de canções. O meu coração vive dessa forma. A música dá-me uma parte de felicidade e tudo o resto eu encarrego-me de canalizar para poder ainda ser mais feliz.”
Uma felicidade que exige trabalho e dedicação. “A maior parte do tempo trabalho 14, 15, 16 horas. Trabalho muito mais do que se trabalhasse para o meu patrão. Mas é claro que ao final do dia o saldo é sempre positivo porque é para mim.” Esta Quinta-Feira, por exemplo, é dia de rumar ao Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde actua ao lado de Dino D’Santiago no Festival Misty Fest. A paixão por aquilo que se faz parece ser a chave para o sucesso, quer profissional, quer pessoal. “É o meu coração, são as minhas rimas e as minhas batidas. Sou uma pessoa mais feliz assim.”