
Artigo de Opinião de João Pedro Canário, 18 anos, estudante de Ciência Política e Relações Internacionais.
É de bradar aos céus esta nova lufada de ar fresco dada à edição deste ano do Festival da Canção. Conan Osíris é o nome artístico deste novo herói nacional. Para os demais um perfeito desconhecido, um artista que cumula em si a genialidade e a irreverência de António Variações. Único. Simplesmente. Inesquecível a sua atuação em palco da música em que é simultaneamente intérprete e compositor, de seu nome: “Telemóveis”. Elevou a fasquia que existia neste festival a um patamar nunca antes visto. Nesta edição houve uma inversão no padrão tradicional, uma explosão de originalidade, um brotar de ecletismo que há muito não se verificava no espetro musical português. Um artista que cumula nas suas músicas, melodias semelhantes às do fado conjugadas com ritmos de hip-hop e um tom de voz, que marca inolvidavelmente a diferença, somos mesmo remetidos para a música árabe ou cigana. As suas atuações aliam-se ainda a um dançarino endiabrado com ritmos africanos que dança como se não houvesse amanhã. Em suma, este é um fado hip-hop cantado pelo António Variações do século XXI com uma voz bastante peculiar. A letra cativa-nos, mergulhamos para uma realidade alternativa, vejamos: “Eu parti o telemóvel. A tentar ligar para o céu. Para saber se eu mato a saudade. Ou então quem morre sou eu (…)”. O espirito de Variações está impregnado em Osiris. Disso não restam dúvidas.
A sua atuação de tão arrojada que foi, cativou muitos, mas por outro lado, incendiou as redes sociais. O artista conseguiu a pontuação máxima do público ficando em 2ºlugar na votação da 1º semifinal. No entanto, tendo em conta algumas das críticas bastante negativas que se vão lendo por aí, apregoa-se que Conan não consegue oferecer nada
que se aproveite à música portuguesa. Um crescente bando de “virgens ofendidas” num pais onde já não há virgens. São demasiados aqueles, que com os seus sentimentos revivalistas, teimam em aludir e enaltecer o passado, optando sempre por tentar reduzir a cinzas a sua atuação. O snobismo musical de muitos não lhes permite se quer
predispor o seu ouvido refinado a ouvir algo que não seja habitual. Existe mesmo uma certa aversão por parte destas pessoas em ouvir algo que não seja o tradicional.
Seguramente que Conan consegue oferecer muito mais do que as “Marias vai com as outras” desta vida que tendencialmente criticam tudo e todos, e que nada contribuem para o progresso do paradigma musical a nível nacional. As redes sociais são peritas em incubar estes seres amorfos, sem opinião própria, que andam sempre por aí ao “deus
dará” à boleia das discussões em voga para terem a oportunidade do seu tempo ocupar. Um reflexo do país em que vivemos. Pessoas que na sua maioria destilam ódio com base em ofensas gratuitas sem qualquer fundamento, e alimentam a sua vida, de tão insípida que é, à base disso. Para quem não gosta, nunca será demais relembrar que a RTP 1, não é o único canal português, não estamos nos anos 60, o comando da televisão tem mais números para carregar.
No inicio dos anos 80, se bem se lembra, António Variações, o mítico barbeiro que foi descoberto por Júlio Isidro, quando iniciou a sua carreira musical foi vitima do mesmo preconceito, por estar a 1000 anos luz á frente do seu tempo e de pessoas que revelam ser como aqueles cavalos que tem palas nos olhos, que possuem a infeliz capacidade de apenas conseguir ver para a frente. Sempre visto como um extraterrestre. Já devíamos saber que o preconceito em Portugal, sempre foi estrutural. Ninguém é superior ou inferior por gostar ou deixar de gostar deste tipo de artista. Quanto a quem realmente gosta, não se julgue, respeite-se. O que seria feito do vermelho, se todos gostássemos do amarelo. Gostos discutem-se, estamos constantemente a fazê-lo. Cada qual com o seu. Ninguém é obrigado a gostar. Apenas a respeitar.
Esperemos que não aconteça com Osiris o mesmo que aconteceu com Variações, em que durante anos a fio nunca lhe foi dado o devido reconhecimento, e só muito tempo após a sua morte é que foram capazes de reconhecer quão boa era a qualidade da sua música. Os génios nunca serão compreendidos pela nossa sociedade, a sua aceitação nunca será unânime. Quanto a Conan, provavelmente, lá terá que ser o estrangeiro, a reconhecer a sua qualidade enquanto intérprete, e aí, já todo o português irá adorar. Tal como aconteceu com Salvador Sobral em 2017.
Nos dias de hoje, em Portugal, a inovação e utilização de pensamentos “fora da caixa” são, indubitavelmente, postos de lado, recai-se cada vez mais, quer se queira ou não, na repugnante “ditadura do politicamente correto”, em que a sociedade nos impõe padrões de consumo, limites à liberdade de inovar, condiciona sobretudo aquilo que dizemos ou fazemos, aniquilando sempre do sistema quem quer fugir à regra e assim, acabamos sempre por viver circunscritos ao vulgar. Existe cada vez mais uma barreira invisível que nos oprime. Se não se abrirem novos horizontes nunca se sairá do mesmo sitio. Já farta esta castração que as redes sociais cada vez mais potenciam. Arrisque-se mais sem pensar nas consequências que daí advirão. Independentemente de sermos muito bons ou muito maus naquilo que estamos a fazer, iremos ser sempre criticados, seja por inveja alheia ou por estarmos a falhar. Metam os olhos em Conan Osiris e sigam o seu exemplo.
O mundo será sempre daqueles que são ousados e jamais temem vir a ser criticados. Se este rapaz não ganha, quem parte o telemóvel sou eu!
João Pedro Canário
Confesso que não gostei nada da letra e da estética visual da canção. Gosto bastante da parte melódica, vocal e instrumental. Mas não é todos os dias que, aos 45 anos, temos uma lição tão bem dada por alguém com 18. Muitos parabéns, João Pedro. Excelente artigo.