
Para quantos cidadãos a problemática da água se resume apenas à avaliação de saber se paga muito ou pouco pela água que recebe em casa e pela água que rejeita através de rede de saneamento?
Proponho-me tentar abordar aqui as questões ligadas aos objetivos fundamentais das entidades gestoras e que é o de colocar na casa do consumidor, água em contínuo, quantidade e qualidade. Não vou dissecar custos e proveitos, porque isso nos levaria a outro tipo de debate e desviaria o foco do que pretendo abordar.
No fundo, o que será necessário para que consigamos abrir a torneira e a água corra sem parar, em quantidade (pressão) e qualidade? É esse ciclo que, eventualmente, estará no subconsciente de muitos de nós mas que não trazemos à luz do dia.
Hoje em dia, estando praticamente completa a rede pública de abastecimento, as atenções (leia-se, investimento) viram-se para a renovação das redes como “remédio” para as perdas de água e para a qualidade da água. Naturalmente que, redes com demasiadas fugas, não só implicam perdas financeiras como também provocam pressões mais baixas e infiltrações externas com repercussão óbvia na qualidade da água.
Mas, então, as palavras de ordem serão renovar, renovar, renovar? Ou começar a renovar as redes, de forma cega e indiscriminada não será começar o edifício pelo telhado? Na minha opinião, assim é, seguramente. Passo a tentar explicar o meu raciocínio.
É necessário, obviamente, definir critérios para se tomar a decisão de renovar a rede A ou B. Que critérios? Idade da rede? Material das condutas? São critérios pouco rigorosos, falíveis, portanto. Há notícia de redes em fibrocimento com 50/60 anos em ótimas condições e redes em tubo com 20 anos, a necessitarem de renovação. Há variadíssimos fatores que influenciam a tomada de decisão, para além da idade e do material. A natureza do terreno, estar ou não sob pavimentos com grande movimentação de trânsito, grandes consumidores cujo gasto de água implica grande pressão sobre a rede, etc.
De qualquer forma, o primeiro passo será o de ter a rede devidamente cadastrada, isto é, georreferenciada com todo o detalhe relativo à idade, material e envolvência. Isso é um trabalho que compete a um Sistema de Informação Geográfica (SIG), completado pela Mobilidade Operacional, ou seja, as equipas que estão diariamente no terreno vão atualizando e retificando os dados existentes e enriquecendo a base de dados, proporcionando uma Gestão Patrimonial das Infraestruturas (GPI).
Mas isto é “curto” como se costuma dizer porque, embora forneça alguns dados, não permite a tomada de decisão sobre as prioridades da renovação de redes porque ainda não sabemos quais as que estão em pior estado, a não ser por palpite…
É aqui que entra a setorização da rede e que tem um papel decisivo na habilitação da tomada de decisão. Imagine-se uma rede de 1 400 quilómetros que se “parte” em 150 pedaços mais pequenos em que na extremidade de cada um se instalam caudalímetros e sistemas de telemetria, através de sensores específicos. É aqui que vamos ter o retorno e avaliação das redes com mais fugas e, portanto, com necessidade de mais rápida renovação. De uma maneira geral, pode corresponder a redes mais antigas mas nem sempre isso é assim e, ir por esse caminho, é fazê-lo sem qualquer base científica.
Com esta setorização e ações complementares, não só se habilita á tomada de decisão em bases sustentáveis como se poupa muitos milhares de metros cúbicos em água perdida, com as implicações económico-financeiras fáceis de imaginar.
Portanto, quando hoje alguns “iluminados” pretendem a renovação de redes a todo o custo, disponibilizando fundos comunitários mas ignorando o que está a montante como os SIG, a GPI, os programas de redução de perdas (setorização), demonstram grande ignorância da problemática da água e estão a apelar que se deite dinheiro à rua. Aliás, do meu ponto de vista, apenas deveria haver fundos comunitários para quem execute todo este ciclo.