Pensar o Carnaval de Torres: Que seja agora
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Pensar o Carnaval de Torres: que seja agora

Artigo de Opinião de Luís Filipe Cristóvão

Nos muitos anos que levo de participação pública na vida do nosso concelho, um tema sempre surgiu como tabu: o Carnaval de Torres. Aflorar algum tipo de discussão sobre esta temática*, levava sempre a respostas como “não se pode tirar o Carnaval do centro da cidade” ou “as pessoas não iriam compreender certas decisões” ou, pior ainda, “mas quem teria coragem para puxar desse assunto”. No entanto, pensar o Carnaval não é retirar-lhe nenhum elemento que o torna Carnaval. É, isso sim, pensar nos acrescentos que lhe foram sendo feitos e nos impactos que esses têm para o bom crescimento do mesmo. 

Curiosamente, após este fim-de-semana, as redes sociais que, pelo que dizem, são muito boas para indignações, começam a ser palco para, a partir de vários quadrantes, se ouvirem pedidos para que se repense o Carnaval de Torres nas consequências que este tem para quem vive na cidade. Por isso mesmo, creio que estamos no momento para começar a pensar aquilo que, na verdade, desejamos que seja o Carnaval de Torres. 

Como torriense que sou, o Carnaval tem um peso de tradição na imagem que comporto de mim mesmo. Ano após ano, essa palavra transporta uma espécie de magia, que nos permite, durante alguns dias, ser muito daquilo que não conseguimos ou podemos ser no resto do ano. O Carnaval era o momento de falar e festejar com tanta gente com que nos cruzávamos pelas ruas, mas não conhecíamos. O Carnaval era a expressão de uma vida associativa que tinha, durante uma semana, uma explosão de alegria e festa que não tinha comparação com nenhuma outra altura do ano. De certa forma, o Carnaval sempre foi a grande festa da cidade de Torres Vedras.

Pertenço à geração que viu o Carnaval transformar-se, saindo do espaço das associações e ocupando as ruas dos bares. Era, provavelmente, um crescimento natural para uma sociedade onde a ideia de negócio está bem presente. O Carnaval foi, a partir daí, conquistando contornos económicos ainda mais inegáveis, com uma boa parte do comércio da cidade a beneficiar do impacto que um número de visitantes crescente proporciona. 

No entanto, o crescimento económico deste mesmo Carnaval não teve paralelo na forma como foi discutido com as pessoas que estão incluídas na tradição do mesmo. A transformação de grupos carnavalescos em associações, o fecho dos corsos e de áreas de diversão noturnas, o aumento do número de dias de carnaval, espalhados por vários fins-de-semana, nos famosos assaltos, o impacto brutal sobre uma grande parte da cidade que esta festa proporciona, foi sempre feito à revelia da população, sob a necessidade de um argumento económico que se impõe a tudo o resto. 

O Carnaval de Torres Vedras deixou-se levar pela necessidade de fazer, ignorando a obrigatoriedade do pensar. Não se pensou como a exclusividade de associações carnavalescas retira impacto social positivo no reinvestimento dos ganhos no Carnaval em mais atividades proporcionadas pelo tecido associativo local. Não se pensou que, com o aumento das zonas de diversão noturnas, mais população iria sofrer com o impacto negativo em termos de limpeza, segurança e descanso. Não se entendeu que o argumento económico também traz responsabilidade ao nível, não do que a cidade pode continuar a oferecer ao Carnaval, mas do que é que o Carnaval deve, também, oferecer à cidade. 

Há, por isso, que dar um passo atrás para se poder dar dois passos em frente no que toca à vivência deste Carnaval. Abrir um período de discussão que apresente dados fatuais sobre o impacto económico deste evento, mas também sobre todos os outros, ao nível da segurança, ao nível dos custos para a autarquia, ao nível da qualidade de vida no centro da cidade. Exigir, aos nossos autarcas, à Promotorres, às forças de segurança, aos bombeiros, aos empresários,  mas também a todos aqueles que vivem o Carnaval da nossa cidade, que entrem nessa discussão, com ideias, sugestões, opiniões válidas para o reforço desta festa. Perceber, de uma vez por todas, que gostar do Carnaval implica ir para a festa, mas também implica pensar na melhor forma de fazer essa festa perdurar, com segurança e com harmonia para os que aqui vivem. 

Não se deixe, no entanto, de viver o Carnaval como ele se quer vivido. Com o espírito trapalhão que o tornou grande e o sorriso que deixa marca. Viva-se o Carnaval de 2018, preparando-se, desde já, o que queremos que seja o Carnaval do futuro. 

*Jorge Ralha, nas páginas do Jornal Badaladas, tem sido uma exceção. O seu profundo conhecimento de causa foi deixando pistas, ao longo de diversas publicações sobre esta temática, sobre pontos que são de reflexão obrigatória. É fundamental, também, que a discussão sobre o Carnaval de Torres Vedras se faça com rigor historiográfico e não apenas fundamentada em tendências recentes que se incorporam como se fizesse parte da tradição.

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Luís Cristóvão
Luís Cristóvão é comentador desportivo e treinador de basquetebol. Prepara uma dissertação de mestrado em Treino Desportivo. Publicou livros de poesia e de literatura para crianças.

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