Luis Góis
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É percetível para qualquer um de nós o que acontece quando queremos passar da marcha à corrida. Esticamos a passada, existe um momento em que os dois pés estão no ar, temos que fazer mais força nas pernas, a respiração torna-se mais ofegante e é necessário maior controlo para não nos cansarmos com tanta facilidade. Idade e treino são fatores que facilmente compreendemos influir se corremos mais longe ou menos, se nos cansamos mais depressa ou não.

Existem outras atividades físicas que também implicam um esforço suplementar mas que não é tão intuitivo que isso realmente aconteça. Uma delas é Ver ao Perto.

É quase tão normal como respirar, podemos estar a ver televisão, a conduzir ou fazer uma qualquer outra atividade ao longe e, por uma razão ou por outra, passamos a ver qualquer coisa que se situa ali entre os 35 e os 45 cm – a distância normal de leitura. A sociedade tecnológica veio alargar entre intervalo. Os écrans dos computadores de trabalho situam-se entre os 60 e os 70 cm, já os écrans dos portáteis, normalmente abaixo dos 55 cm e os smartphones muito perto dos 30 cm.

A capacidade de ver muito perto está no seu auge quando somos crianças. Faz muitas vezes confusão ver como as crianças colocam os objetos quase colados aos olhos. Se o fazem é porque conseguem perceber os pormenores que procuram a essa distância. Mas o tema de hoje não é sobre crianças, é sobre os jovens “entas”. Nascer para os “entas” trás algumas novidades (por declaração de interesses informo que tenho 41 anos).

Um dos primeiros reflexos, e porque hoje em média nos tornamos pais mais tarde, é quando os nossos filhos pequenos nos encostam algo ao nariz para vermos o que nos querem mostrar e percebemos que temos de nos afastar um pouco para ver corretamente.

Com o passar do tempo (leia-se 2 ou 3 anos) notamos que temos que nos afastar (muitas vezes com a ajuda do braço) cada vez mais do objeto para conseguir ver e ler com nitidez. Nessa mesma altura apercebemo-nos de uma teoria da conspiração que já tínhamos ouvido falar mas que agora somos testemunhas, andam efetivamente a escrever coisas muito pequenas para não conseguirmos ler! Por vezes surgem letras muito pequeninas em contratos, bulas de medicamentos, ingredientes de produtos alimentares, que se tornam mesmo difíceis de perceber e perguntamo-nos se alguém consegue ler aquilo. Comentamos com os amigos e eles dizem o mesmo. Parece que é mesmo para nos enganar, porque no passado não tínhamos dado por isso. Nessa altura conhecemos alguns cúmplices da conspiração… “-Vê lá se consegues ler isso? Parece impossível fazer algo tão pequeno” E surpreendentemente ele lê! Uau!

Quem gosta de ler começa a procurar mais luz, verifica que já não é tão fácil seguir uma linha, que por vezes as letras começam a misturar-se e tem que pestanejar para recomeçar. Também surge mais sonolência, picadas nos olhos e até vermelhidão. Apercebemo-nos que se esticarmos um pouco os braços até vimos melhor. O pior é quando as letras são muito pequenas e uma distância maior torna-as muito difíceis ler.

Acontece outro fenómeno ainda mais estranho. Se passamos algum tempo a ler, por exemplo em casa ao serão, e levantamos os olhos para ver televisão, parece que vimos desfocado, temos que pestanejar para recuperarmos a nitidez – a velocidade com que passamos de visão de perto para visão de longe não é tão rápida.

Recordo o início deste texto, ver ao perto é uma atividade de esforço, cujos sinais de cansaço são diferentes de correr, mas que temos de saber interpretá-los. Por outro lado a capacidade de “corrermos”, neste caso de ver ao perto, vai diminuindo ao longo da nossa vida, e a partir dos “entas”, normalmente entre os 45 e os 50 anos, apercebemo-nos que a visão entre os 35 cm e os 45 cm, distâncias mais comuns de leitura, começa a sentir dificuldades. Na realidade, já são muitos os casos em que as queixas para perto surgem mais cedo, fruto de uma vida muito exigente para a visão em termos profissionais.

Podemos poupar-nos mais, seguindo a regra dos 20-20-20, 20 minutos a trabalhar ao perto, 20 segundos a descansar, focando um objeto ao longe a cerca de 20 pés (6 metros). Este processo permite-nos chegar ao final do dia mais descansados e até adiar a entrada na vista cansada.

Vista cansada, termo comum, ou Presbiopia, termo técnico, corrige-se através da prescrição adequada à distância que pretende ver. Várias são as alternativas, Lentes apenas com a graduação de perto, Lentes Bifocais ou Lentes Progressivas. Mais recentemente desenvolveu-se as Lentes Ocupacionais, ou seja, para perto, mas para mais do que uma distância, que como vimos pode ir desde os 30 cm (smartphones) aos 65 cm (écrans do monitor).

Em conclusão, quando começamos a esticar os braços estamos a adivinhar chuva. Mais cedo ou mais tarde o braço não estica mais. E não se trata de nenhuma conspiração, são os “entas”…

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